Nossa mãe nos acordava às 6 da manhã, dividia as tarefas lá de casa - um varria a sala e as despensas, outro ia pegar água no "chafariz" e os mais velhos (eu e outro irmão), ela dizia: "nhos ta ba spera Nersa na mar".
Em algumas épocas do ano tínhamos que esperar o nosso pai em "Fonti Bila" - mais perto de casa - e em outras épocas em "Pranasiora - Praia de Nossa Senhora", mais longe, caminho de terra "burbur", cheio de espinhos, no sol quente, às vezes sem o café da manhã e muitas vezes descalços.
Naquela época pra gente conseguir algum dinheiro teria que ser vendendo peixes ou talvez no Natal, quando os afilhados iam tomar "bensom (bênção)" nos padrinhos e se o presente não for ovos, um bolo, uma galinha ou um cabrito, poderia ser algum dinheiro. Oh vida sofrida, viu? Kkkk
E às vezes durante três meses de pesca, nosso pai não conseguia pescar mais do que alguns peixes para o almoço, quando havia escassez de peixes.
Quando o nosso bote chegava perto da praia, alguém teria que pegar primeiro na proa, aproveitando a onda, puxar e trazer o bote mais pra cima, e eu sempre fazia isso, quando não havia ninguém maior do que eu que poderia ajudar. Quando eu pegava na proa meu primeiro olhar era pro fundo do bote para ver se tinha peixes. Alguns dias tinham muitos peixes e isso significava algum dinheiro lá em casa; outros dias não, e a gente acreditava que no dia seguinte poderia ser melhor. Essa é a esperança de todo pescador.
E foi assim que eu cresci, acostumado com o pouco e às vezes não tendo nada. Mas, o nosso pai é daqueles homens que sofreu muito na vida e as histórias e lições de vida que nos conta é do sofrimento dele, seus irmãos, sua mãe para sobreviver - duas vezes foram a São Tomé e Príncipe, na época dos portugueses para escapar à fome. E apesar de as histórias não serem muito boas, ele falava isso como alguém que sonha com dias melhores. Ele nunca estudou mais do que a quarta série e até hoje lamenta por isso. Às vezes ele diz: "ah, se eu pudesse pelo menos terminar o liceu". Talvez ele ainda pense que se tivesse estudado a vida seria mais fácil e poderia nos dar uma vida melhor. Isso poderia ser verdade, mas o que o nosso pai talvez não saiba é que aquelas idas e vindas ao mar, as lições de vida dele, as histórias que nos contava, foi tudo o que eu precisava para ver a vida de outra forma, sem amor ao dinheiro, sem a ambição por riquezas. Por tudo isso, agradeço ao nosso pai. A vida era sofrida, mas vivíamos confortados, com a fé em Deus de que no outro dia o barco poderia vir cheio de peixes, mesmo que não viesse por mais três meses.
Nosso pai controlava as horas para ir à pesca ouvindo o barulho do mar, a direção do vento, a posição da lua e todas as madrugadas quando ele acordava orava. Muitas vezes eu escutava as orações e nunca esqueceu de mencionar os nossos nomes. O que mais ele poderia fazer por nós? Ele nos deu tudo o que um pai pobre pode dar a seu filho e nos ensinou a vida com suas histórias de quem vive pela fé no Deus que não esquece de seus filhos.
Sabe, a vida parece ser uma constante busca por coisas, por dinheiro, e ainda assim é como se nunca nos abastassemos. Corremos diariamente para conseguir mais ou talvez apenas um pouco, pra quem nada tem, e finalmente descobrir que foi quase nada.
Como alguém bem cantou sobre a vida, ela "não é sobre tudo o que seu dinheiro é capaz de comprar", ... "e sim, sobre cada momento, sorriso a se compartilhar", "também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais, porque quanto menos se espera a vida já fica pra trás"...
Existe algo mais, além do dinheiro e que o dinheiro não pode comprar... Sorrisos, abraços, amigos,... "prefira sorrisos e os presentes que a vida trouxe pra perto de ti (acrescentado)".
Dinheiro não tive, cresci com o pouco, muito pouco, mas aprendi com a vida que "a gente não pode ter tudo" e ela é cheia de presentes que o dinheiro não pode comprar.
Não passe pela vida correndo atrás de coisas, "prefira os presentes que a vida lhe traz".
E seja feliz!
Texto: Isaías Cardoso
Citações: Música Trem bala, do Mar Aberto