Mas, ao dar esmola, que a sua mão esquerda ignore o que a mão direita está fazendo” - Mateus 6:3

Certa vez fomos fazer uma ação social com os jovens da igreja. A atividade consistia em acompanhar pessoas em situação de rua. Lá conhecemos um homem que tinha chegado à cidade havia pouco mais de um mês e que estava morando embaixo de uma ponte. Por não encontrar trabalho, não teve condições de alugar um lugar para se acomodar e não teve escolha além de ficar embaixo da ponte. 

Uma das irmãs da igreja sabia da história, já que havia visto esse homem durante vários dias enquanto se dirigia ao trabalho, e em uma oportunidade se encontrou com ele e perguntou por sua situação, conhecendo mais sobre sua história. 

O tempo passou, e a irmã já estava ajudando o homem, levando comida de vez em quando. Foi no dia da ação social que a irmã se lembrou dele e fomos com o grupo evar uma cesta básica e também roupas, cobertores e palavras de conforto para ele.

O homem ficou muito grato com nossa visita e com a ajuda recebida. Estava tudo muito lindo e agradável até que uma jovem se apresentou e se ofereceu para cantar uma música. Ela pediu para que tirassem fotos e a filmassem enquanto cantava ao lado do homem, mas, no momento em que levantaram o celular para tirar as fotos e filmar o momento, o semblante daquele homem mudou por completo, refletindo um estado de vergonha, decepção e tristeza. 

Foi assim que o ambiente tão agradável se transformou em um momento de incômodo desagradável tanto para o homem quanto para vários de nós que nos demos conta da situação. Naquele momento, percebi que tirar fotos ou filmar esse tipo de ação é desnecessário, pois deixa uma imagem negativa, por mais que seja com a melhor das intenções. Essa situação ficou gravada em minha mente. Então eu me propus, pessoalmente: enquanto fizer ou liderar uma ação social, registrar o momento com fotos ou vídeos não é o mais importante, mas, sim, o impacto e a bênção que advém dessa ação.

Já ouviram aquela frase “Quem não é visto não é lembrado”? Essa frase significa literalmente que alguém perde a atenção, relevância ou importância quando se ausenta. A visibilidade de habilidades e ações de uma pessoa tem a capacidade de gerar a aprovação ou desaprovação dos que aparecem. Hoje temos ferramentas chamadas redes sociais que potencializam essa visibilidade em um ambiente com uma maior quantidade de pessoas que podem observar suas capacidades e ações diárias, dando a você a aprovação ou desaprovação deles por meios de um “like” ou de uma “curtida”.

Um estudo australiano expressou em um artigo que “receber um comentário em uma publicação estimula a autoestima e também pode aliviar a solidão. As pessoas esperam ler quão bonitas estão na nova foto de perfil, quão lindo é o lugar em que passaram as férias, ou quão bom gosto musical elas têm. Por isso, na era do imediatismo promovido pela mobilidade, cria-se uma angústia por feedbacks – esses que vêm em forma de “LIKES” e comentários. Muito mais que narcisismo, é a carência e a necessidade de pertencimento”. 

A necessidade de ser lembrado, aceito e parte de um grupo leva a pensar que mostrar uma boa ação amplia ainda mais a aceitação e a aprovação desse grupo. O que impulsiona a pessoa a registrar e publicar boas ações para alcançar tal objetivo. Agora, quão positivo é usar a necessidade de uma pessoa para atender a necessidade da outra? Onde o cristão deve encontrar a verdadeira aprovação? O que é mais importante, a aprovação de Deus ou a de nossos amigos, familiares, vizinhos, seguidores, etc.?

“Evitem praticar as suas obras de justiça diante dos outros para serem vistos por eles; porque, sendo assim, vocês já não terão nenhuma recompensa junto do Pai de vocês, que está nos céus. Quando, pois, você der esmola, não fique tocando trombeta nas sinagogas e nas ruas, como fazem os hipócritas, para serem elogiados pelos outros. Em verdade lhes digo que eles já receberam a sua recompensa. Mas, ao dar esmola, que a sua mão esquerda ignore o que a mão direita está fazendo, para que a sua esmola fique em secreto. E o seu Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa” (Mateus 6:1-4).

O que verdadeiramente importa 

É bom ter a aprovação das pessoas que nos rodeiam, é agradável escutar: “parabéns”, “muito bem-feito”, “você tem grandes capacidades”. Isso faz nos sentirmos importantes, capazes e com vontade de continuar crescendo. Muitas vezes nossas ações são impulsionadas por esses motivos. Mas, quando temos esse tipo de sentimentos, entramos em um terreno perigoso de autossuficiência, de alimentar o mal do ser humano que é o “EU”. Quanto mais somos movidos pela aceitação humana, mais nos tornamos dependentes de ações aceitas por eles, e isso faz com que busquemos mais ações que, apesar de parecerem boas, são egoístas.

Jesus conhece esse mal. É com essa intenção que no sermão da montanha Ele nos exorta a cuidar desse aspecto de nossa vida.

No capítulo 6 de Mateus, nos primeiros 4 versículos, Jesus indica o cuidado que devemos ter nesses aspectos. Depois de falar da verdadeira justiça (capítulo 5), Jesus passa a falar da aplicação prática da justiça ao cuidado do reino dos Céus. Os cristãos devem evitar fazer alarde de seus atos de culto e caridade. Mediante 3 exemplos – atos caridosos, orações e jejuns – Jesus contrasta algumas práticas conhecidas entre os judeus com elevados ideais do reino dos Céus. Desde a época de Jesus, trabalhar para que os outros vissem já era uma realidade; por isso, Jesus chama a atenção, aponta que o que verdadeiramente importa não é a aprovação do ser humano ou a justiça do ser humano, mas a aprovação e a justiça de Deus. 

Ajuda discreta

Ajudar os necessitados é um ato louvável, bem-visto pela sociedade e positivo em todos os aspectos. Mas quando esse ato se torna um motivo egoísta em si no espiritual e no caráter, torna-se algo tão negativo e prejudicial que coloca em risco inclusive nossa salvação.

Hoje em dia, vemos que, com o passar do tempo, o ato de caridade está virando moda no mundo dos influenciadores. Mas qual é o propósito por trás de suas ações?

Outro dia vi um testemunho do começo de um dos maiores YouTubers da atualidade chamado James Stephen, mais conhecido como “Jimmy” ou “MrBeast”. Ele contava que recebeu uma remuneração de 5 mil dólares do seu primeiro contrato com uma empresa. Ao receber esse dinheiro pensou no impacto que causaria se desse esse dinheiro a um indigente, mas se fosse 10 mil dólares, o impacto entre seus seguidores no YouTube seria ainda maior, o que o motivou a pedir 5 mil dólares emprestados de sua mãe. E esse foi o início de um jovem que hoje, além de ser um dos maiores influenciadores digitais, é considerado como um dos jovens mais ricos do mundo.

O que impulsiona você a ajudar? Uma curtida ou a satisfação sincera e humilde de haver sido uma bênção para outra pessoa, com bênçãos que Deus lhe concedeu?

Sabendo que uma satisfação é temporal e a outra eterna, Deus deseja que você seja autêntico e humilde em suas ações. 

Que sua mão esquerda não saiba o que sua mão direita faz

A expressão “quando você dá esmola” se emprega aqui com o pronome “você”. Jesus se dirigia a cada membro do grupo de forma pessoal. Com referência à responsabilidade daquele que tem mais em relação àquele que não tem, conforme apresentado na lei de Moisés (Levítico 25:25, 35).

Já na expressão “sua mão esquerda”, encontramos o que é dito entre os árabes, ambas as mãos, a esquerda e a direita representam os amigos íntimos. Jesus disse que não havia necessidade de que os amigos, nem sequer os mais íntimos, soubessem dos atos piedosos de alguém. Nessa figura de linguagem, Cristo emprega uma hipérbole para dar ênfase. Não quero dizer que sempre é preciso dar esmolas em segredo absoluto (DTJ 69). Paulo falou sobre a generosidade dos cristãos macedônios (Fp 4:16) e escreveu aos corintos que seu “zelo” havia estimulado muitas pessoas que foram ativas na causa de Deus (2Co 9:2). O que Jesus diz aqui é que os cristãos não devem realizar atos de caridade a fim de conseguir louvor ou homenagem dos homens.

Podemos contar nosso testemunho sempre e quando for para louvar e engrandecer o nome de Deus e não o nosso.

Ações silenciosas, bênçãos barulhentas 

Para que a sua esmola seja secreta, ela precisa ser feita em segredo e mantida em segredo. A alusão parece ser a câmera secreta, onde o dinheiro era trazido de forma privada para ajudar os pobres. ‘Havia duas câmaras no santuário, uma era a “câmara dos segredos”, e a outra, “a câmara dos vasos”: a câmara dos segredos era aquela em que as pessoas piedosas depositavam suas ofertas “secretamente”. Os judeus dizem muitas coisas sobre dar esmolas em privado.

A Mishná da “câmara dos segredos” ficava dentro do recinto do templo, onde os piedosos podiam depositar suas dádivas de forma secreta e onde os pobres “de boa família” podiam ir buscar ajuda para enfrentar suas necessidades quando não tivessem outros recursos.

Ele vê o secreto, ou seja, Deus vê as intenções secretas do coração que levam à ação, e por essas intenções, e não pelas próprias ações, os homens receberão “o seu louvor da parte de Deus” no dia do juízo (1Co 4:5; Rm 2:16).

Em público, a evidência textual favorece a omissão dessa frase. A Bíblia de Jerusalém traduz simplesmente como “te recompensará”. No último dia, “a obra de cada um será posta em evidência” (1Co 3:13, cf. Mt 25:31-46). Quando Cristo vier, Ele recompensará cada um segundo suas obras (Mt16:27), os cristãos não devem pensar “no galardão, mas no serviço” (Comentário Bíblico Adventista, vol 5. p. 459). Não devemos dar para receber honra ou bênçãos, devemos dar para honrar a Jesus em tudo o que Ele já nos abençoou e nos deu. O perdão de nossos pecados, nossa salvação, nossa transformação diária, nossa manutenção e sustento. O resultado de todas essas bênçãos deveria ser a entrega da nossa vida, a fim de abençoar a vida dos outros.

Devemos viver uma vida de serviço, não para ter a aprovação e a aceitação do mundo, e sim para corresponder ao amor, ao perdão e à misericórdia que Deus tem conosco. E, dessa maneira, viver de acordo com a vontade do nosso Deus e ter a maior e mais importante das aceitações, que é a do nosso Deus.

Assim chegamos a dizer que o que não é visto será, sim, lembrado, será lembrado para a vida eterna.

“Os talentos por Deus confiados não devem ser escondidos debaixo do alqueire ou da cama. ‘Vós sois a luz do mundo’, disse Cristo em Mateus 5:14. Ao verdes famílias morando em barracos, com escasso mobiliário e roupas, sem utensílios, sem livros ou outros indicativos de refinamento em seus lares, mostrar-vos-eis interessados neles, esforçando-vos por ensinar-lhes como usar suas energias com o maior proveito, a fim de que progridam e sua obra vá avante?” (Beneficência Social, p. 195).

“Deus espera serviço pessoal da parte de todo aquele a quem confiou o conhecimento da verdade para este tempo. Nem todos podem ir como missionários para terras estrangeiras, mas todos podem, na própria pátria, ser missionários na família e entre os vizinhos” (Serviço Cristão, p. 8).

“Cristo confia a Seus seguidores uma obra individual – uma obra que não pode ser feita por procuração. O serviço aos pobres e enfermos, o anunciar o evangelho aos perdidos, não deve ser deixado a comissões ou caridade organizada. Responsabilidade individual, individual esforço e sacrifício pessoal são exigências evangélicas” (A Ciência do Bom Viver, 147).

Gerson Árias
Estudante de Teologia – UPeU